365 Dias

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Em cima da mesa está um copo com uma qualquer bebida. Amachucado por um pisa papéis está um papel que apenas tem escrito: 365 dias. Em frente a ele uma rapariga. Movida e demovida. Com saudades. Por debaixo dessa folha pode ver-se uma outra. Essa está mais cinzenta. Lacrimejada. Amarrotada. Com indícios de quem já quase fora lixo. Nessa poderia então ler-se" Hoje tive lembranças de ti e de mim. Os sons, os lugares, todos te traziam até lá, como se em algum momento ali pudesses estar. Lembrei-me do teu toque, da tua subtileza, da tua maneira de ser, de me olhar, de me fazer sentir. Hoje senti falta, ouvi música e fiquei nostálgica. Pensei em falar, mas calei. Calei e guardei. Pensei em gritar, telefonar, dizer Olá. Mas acabei por deixar-me ficar. E decidi não mexer com medo de fazer doer. A viagem foi curta…nem dei pelo caminho que tantas e tantas vezes pareceu infinito. Aquele que percorremos um dia até metade lembras-te? É igual…mas sem ti. Ao longe ainda se pode ver a tua sombra. Já esteve mais nítida. Agora parece-se com uma névoa acinzentada. Tenho a sensação de que me percorre o corpo quando a vejo chegar de onde vem e para onde sempre vai. Sufoca-me. As vezes deita-me as mãos ao pescoço e não me deixa respirar. Mais uma vez não me dá oportunidade de falar. Calo. Sufoco. Mordo-me por dentro. Tento soltar-me. Mas a força não chega. Obriga-me e eu quero ser livre. Mas depois lá me solta. E ai pareço já não ter nada para dizer… e mais uma vez calo. Vai embora para onde tem que ir. Mas acaba por voltar. Reencontra-me e possui-me como se de veneno se tratasse. Que prepotência. Que impotência a minha. Confessa-se. Diz o que tem a dizer. Que de nada quer saber. Nem de mim. Nem sabe porque é sombra. Nem sabe ao que vem nem porque raio de razão vive naquele frenesim. Perde-se, não encontra o tão sábio caminho que sempre conheceu. Procura. Encontra-se. Encontra-me. Não gosto e viro as costas. Para chorar. Para rir. Para achar irónico ou assustador. Mas também me volto novamente. Olho. De frente. Com a cara e a coragem suficientes. Com tudo o que tenho. Tudo o que faz de mim o que sou. E olho outra vez para o corredor. Aquele que percorrias sempre. Todas as manhãs. Hoje já não o percorres. Deste o teu lugar à saudade. Á saudade de outros tempos. Ás saudades de te ver chegar. À saudade de ti. Em cima da mesa está apenas uma chávena de café. Vazia. Parece segurar um molho de folhas de papel. São conversas, são histórias. São momentos. São devaneios. Momentos de ansia e de loucura. Momentos de liberdade. São conversas quentes. Intensas. Conversas escondidas. Conversas secretas. Como amantes. Como perdidos. Como esquecidos. Como presentes e ausentes. Afasto-me. Não. Ali está a chave do que me traz pensativa. Do que me tira a fome. Do que me corrói. Sei que para ti nem custou. Nem sei quem mudou. Era um jogo. Depois foi realidade. Depois as regras. Alguém mudou as regras. Com as suas mãos. Com a sua vontade. Com o seu desespero. Com medo. Com certeza. Com dúvida. Do que é certo e errado. Do que é bom ou é pecado. Do que é capital ou sentimental. Do que vale e não vale. Do que se arrisca. Do que se segura. Do que tem força. Do que é frágil. De mim. De ti. De nós. De julgamentos. De sentenças. De amores. De desejos. De impedimentos. De restrições e barreiras. Um contrareio. Por dentro. Um choque frontal. Sem encadeamento. O Condutor em contra mão sem qualquer ferimento. A rapariga que conduzia o outro carro gravemente ferida. O condutor em contra mão nem sequer saiu do carro. Não se sabe quem era. De onde vinha. Mudou aquela vida. Trouxe-lhe calor. Trouxe-lhe arrepios e calafrios. Jamais a deixou sossegar. Agora vive nela. Umas vezes longe. Outras perto. Mora em algum lugar. No coração, talvez. Não se sabe por quanto tempo. Nem com que intensidade. Mas sempre que a procura ela está lá. Em cada momento. Em cada troca de olhares. Em cada sorriso. Em cada toque. Em cada conversa. Em cada canção. Como um coração dividido em mil. Em mil momentos de alegria. Em mil momentos de confusão. Em mil momentos de vazio… Em mil momentos de si". Não se sabe se seria o inicio de um livro. O fim de uma história. O começo de um romance. O fim de um aperto. Ou o inicio de um outro ainda maior.

Ana*

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