a mãe tem sempre razão

23:07

Não quis esperar que o tempo curasse aquilo que nós nunca soubemos curar. E agora escrevo-te como se me quisesse justificar, mesmo sabendo que me estou a condenar e que nunca vou saber trancar-te em mim. Como uma carta aberta de verdades que vão sempre corroer-me o pensamento. O vento deixou escapar um ar gélido, hoje quando sai pela manhã, que quase me queimava os lábios, tal como as palavras que me obriguei a dizer. Não que não sentisse mas porque a minha impulsividade me deixa sempre em apuros. Agora sobra apanhar os papéis e fotos rasgadas que na acesa disputa de mágoas largámos no chão, sobram os arrependimentos e orgulhos feridos, as palavras que provavelmente se desejam apagar, as lágrimas que esperei que voltasses para secar. Falta estancar o sangue que não pára de jorrar, mesmo sabendo que as cicatrizes vão ficar, que as imperfeições dos actos e as incorrecções das desculpas vão mostrar-me para sempre aquela ferida semi-aberta, semi-fechada. Como a porta que sempre teve um problema e nunca se soube muito bem se fechava ou se abria. Porque se abrisse impedia alguém de pensar e estar só, de consumir o cansaço e procurar o alivio, mas se fechasse ignorava todas novas chances de recuar e fazer diferente. O tempo é amargo e não cura aquilo que nunca conseguimos ultrapassar. O tempo não nos dá asas nem respostas, o tempo deixa-nos sós num vazio que nunca acaba. O tempo deixa-nos rir quando alguém está perto de nós e tortura-nos, como se uma fina folha de papel nos cortasse, quando no silêncio da noite só restamos nós. Nós. Esse tempo. Aquele silêncio. Aquele que supostamente sempre desejámos e com o qual agora, não sabemos lidar. E agora nem sei se voltas. Nem sei se eu mesma sou capaz de voltar. Corri para o colo de quem me quisesse ouvir com uma miúda insegura que acabou de esfolar os cotovelos na calçada por querer correr demasiado depressa. Quando menos se espera a mãe tinha razão quando quase berrava para não corrermos demasiado depressa e não querermos usar as roupas dela na ânsia de crescer. Elas sabiam que era muito mais fácil ouvir as nossas lágrimas pelo ardor da água oxigenada do que limpá-las com todos os lenços do mundo, por saberem que era o nosso coração que estava esfolado e que nenhum remédio tinha as propriedades suficientes para nos curar de forma quase instantânea.

Ana Teixeira

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