comboio das duas

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Mas nem sempre foi assim. Nem sequer foi sempre que fumei o cigarro e te deixei a ponta. Nem sempre partilhei nem quis dar o que é meu. E sem contar os passos e os intervalos compassados por respirações reticentes, fui deixando cair. Tirei a máscara e do pó fiz um fumo estonteante que me deixou sem ver. Até a janela e aquele recanto. Ficámos num escuro impossível de se ver. E mesmo nesse escuro pudemos saber que, impossível, era não ficar. Sem consequências nem estalos. Sem se punir no segredo ou na inconfidência. Nem sempre me despi. E aí, até de ti e de mim e do que fez ser nós e afinal, ser nada. Foi um caminho sem estrada e uma morte na praia com pouco que contar. No fundo, nem há culpa. Não sei se fui eu que não te soube ler ou se foste tu que simplesmente vieste sem hora marcada para ter. Sem destino nem rumo, nem uma sombra de fumo. Nem sempre soube se querer era o certo. Sentava-me uma e outra vez, sem conseguir escrever, e cada palavra parecia em coma. Depois disso, um primeiro suspiro sem nexo. Apanhei o último comboio das duas que nem sei para onde vai. Nem sequer se volta. Quando nem como. Entrei. Só como quem nem sequer sabe ao que vai. Ao primeiro segundo consegui saber. Esperava uma e outra vez. Sabia que já não era igual. Mas queria estar ali sem perguntar ou saber porquê. Não havia nada que soubesse não fazer. Era mesmo assim. Tinha largado a pele e deixado demais. E isso, já não me incomodava. Pelo contrário, até acho que gostava.

Ana Teixeira

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