O amor é para parvos

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Nunca te pedi promessas. Amores sem fim. Nunca te pedi o bem nem o mal. Aceitei tudo o que tinhas na manga. Sem questionar. Pelo menos te. De olhos vendados numa praia deserta. Sozinha na insensatez desleal que nos unia por um fio. Leve e frágil. Abandonei a ideia de um amor maior que tu. E que eu. Que nós. Que emaranhado de coincidências e acasos. E sem te pedir nada sussurrei. Inspirei o som das tuas doces palavras. Das tuas delicadas e subtis, pequenas conquistas. Deixei que a tua silhueta se desenhasse sobre a luz reflectida na janela da minha cabeça. Admirei-a. Deixei que surrealmente os teus dentes me marcassem a pele. E sem sequer reflectir deixei que o toque dos teus dedos nas entranhas dos meus cabelos emaranhados pelo desejo, me levassem. Deixei que ficasses naquilo que mais tinha de meu. Que os nossos corpos se encaixassem numa quimica diabólica e desenhassem o que seriamos depois disso. Uma sombra. Ao meu ouvido deixei que se ouvisse o teu folego incontrolavel. A tua sede imensa. O teu amor para parvos. O teu dicionário indecifravel. Sem contextos nem possíveis definições. Aceitei que adiasses. Que me adiasses. Que não fizesses planos. Afinal, era só um jogo. Jogado com as tuas regras e os teus quereres. Punhas e dispunhas. Fazias amor ao som de radiohead sem saberes o quão fucking special poderias ser. Ou vir a ser. Mal deste por ti eu tinha-me deixado de palavras cruzadas. Tinha deixado os romances na estante. Esqueci os teus lábios quentes. As tuas mãos. Geladas pelo frio das minhas formas. Aquele com que me aquecias. Pelo frio do vão de escadas onde nos sentámos e como dois estranhos fizémos amor. Pela rigidez daquela parede onde me ensinaste o que era querer loucamente. Sem limites. Sem pensar. Ponderar. Querer. Aprendeste que nem sempre era fácil ler-me. Mas que eu estava de tal forma sem chão, paredes e tecto que a qualquer segundo era eu quem me deixava cair por terra. Quem se deixava ruir. Foi quando leste no meu mural interno escrito a pau de giz que eu era frágil. Fo quando te leste. Quando te leste em mim. Que não te amava mas que jamais te negaria. Podia não ser ao fim da primeira ou segunda tentativa mas que em algum momento eu haveria de continuar ali. Pois é. Lá estou eu. Com a força para te exorcizar. Mas quando tento desenhar o ponto negro, o ponto de final, acabo por rabiscar umas reticências e continuo a respirar-te como verdade. Como se ali estivesses ou pertencesses ao espólio de uma vida. E aí tens a certeza. A certeza de que eu sei que o amor é para os parvos, para quem acredita nele mas que aquilo que sinto e pronuncio vai buscar ao amor a primeira da suas essências. Gostar. Sentir. E vais-te deixando ficar. Perdoas as minhas ausências e palavras disperas. Doces e subtis na sua origem mas transtornadas pela falta de sentido. Do teu sentido. Perdoas as distâncias a que me deixei ficar. As saudades que deixaste. Que nunca soubeste perder. As minhas. As tuas por mim. As nossas saudades. Pedes-me que aprenda ou pelo menos tente, aprender a perdoar. Para deixar que o teu carro possa vir buscar-me ou que às cinco da manhã o teu telemovel possa tocar com a resposta ao teu querer: ainda estás acordada? Estou e estarei mas sem que a minha sede te procure. Sem que possas saber o vazio que deixas de todas as vezes que partes em silêncio. Sem que possas saber quantos pedaços ainda restam no chão. Naquele chão em que nos perdemos. Desculpa mas já não o posso pisar. Auto mutilar-me-ia sem motivo aparente. Sim, os restos dos vidros partidos continuam lá. Os estrilhaços de uma história, ainda, ali caidos. Sim continuamos lá por colar. Mas eu não me vou cortar. Desculpa, desculpa, desculpa mas não me arrisco. Não me vou arriscar. Deixa-te ficar. “Está quente aqui e la fora faz frio… ouve, o amor é para os parvos que acreditam nele. O resto é tão mais” sussurravas tu. “Não me vou cortar” encostava a cabeça e dizia eu, sem que sequer pudesses ouvir.

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