A carta

19:02

Ainda pensei em escrever-te uma carta. Depois pensei que ia ter um toque de despedida que não queria, por saber que na verdade, nunca quis largar-te a mão. Não fui capaz de fazer o caminho sob aquelas pedras gastas dos tempos aureos de loucura e ilusão. Iludi-me demais e fui-me deixando ir ao sabor da brisa. Não pensei no fim e na tua ausência. Nas músicas cravadas como agulhas. Nas dores latejantes das lembraças de um tempo perdido. Também nunca pensei que voltasses, confesso. Tinha-te como miragem. Reflectias-te num qualquer espelho, sempre atrás de mim, como marca convicta da minha falta de sensatez momentanea. Secalhar hoje seria diferente. Secalhar o desejo far-me-ia para sempre tua, mais do que o sabor tentador de me possuires como nunca antes havias feito. Já amachuquei mil papéis. Todos sujos com as minhas fracas palavras que nunca chegarão para te contar sensações e tremores. Medos e saberes. Idas e voltas. Impulsos e controlos. Sabes lá a minha, que era tua, nossa história. Sempre vivemos vidas paralelas. Para lá de nós e dos nossos pressupostos sentimentos. Para lá dos outros e de tantos rodeios. Para lá das gavetas que guardam chaves unicas de caixas ferrujentas. Que não queremos abrir. Que quisemos tanto fechar. Olho para o meu relógio de parede e vejo como o tempo passou. Como nunca nos deixámos ficar presos aqueles ponteiros, ditadores daquele tempo limitado e irrepetivel. É bom saber que as vezes ainda ai estás e sentes falta do meu calor. Procuras o cheiro do meu perfume. O aroma do meu cabelo ainda molhado do banho, com aquelas ondas que tanto contrastam com as linhas rectas e repetidas habituais. O toque das minhas mãos. O sabor dos teus lábios. O estar ali só por estar. O ficar. Apenas por ficar. Sem perguntas nem respostas. Expectativas ou perguntas. No mesmo silêncio sem amanhã. Sem pensar. Sem tocar o céu ou o inferno. A tranquilidade e a leveza. Como vês, não era possivel escrever uma carta. Perder-se-iam por entre as linhas, o calor das palavras e o sabor das letras. Das tuas letras que eram as minhas palavras. Das linhas que eram as tuas, nossas, histórias.

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