Quase que são mais as vezes em que faltam palavras. Mas vamos fazer de conta que até tenho essas palavras. Essas. Que explicam o que se sente. Vamos fazer de conta que essas cartas de amor existem e esses romances eternizados pelo tempo não são só livros. Que um olhar pode dizer mais que um falar. Esse falar que não sei. Esse partilhar que temo. Esse aproximar que não tento. Esse cair que não quero. Esse pensamento que afasto. Só fingir. Fingir que vens. Que sentes e vais ficando. Que nao me deixas sentir. Saudades. Vamos fingir que até sabia desenhar e podia mostrar. Vamos fingir que podiamos trocar. Enterlaçar. As pernas por baixo dos lençóis. Os dedos por entre as mãos. Que podiamos até trocar. Trocar as camisolas e o cheiro dos perfumes deslavados entre beijos e entregas. O real é tão mais. Por isso finge. Finge que o acordar é melhor. Que aquela dia nasceu maior. Que a cama ainda tem o teu cheiro ou que o resto do meu batom ficou naquele copo sobre a mesa de cabeceira. Finge que foste capaz de guardar uma imagem tamanhamente real do meu sorriso parvo ou do ar rabugento. Com tamanho pormenor. Que no espelho do teu mural interno, soubeste fazer-me. Refazer-me. Ao teu jeito e pensar. Vamos fazer de conta que ninguém se zangou. Que o tempo não passou por nós. Façamos de conta que tudo está bem. Que estás bem. Que temos o tempo de um Mundo. Que não temos pressa de nada. Que eu vou estar aqui. Que vou saber esperar. E com tanto fingir, talvez um dia tudo seja assim.
E quando a noite se instala sente-se o cheiro e o estar. Sente-se. Sente-se o cheiro das tuas mãos, o teu cheiro, naquela camisola três números acima com que se adormeceu. Por isso abre a porta, deixa-me ficar. Ou mesmo sem ficar, deixa-me estar. Promete coisas que não vais cumprir. Fica, acordado, à espera de um amanhã incerto. Não vivas na sombra. Na sombra de incertezas e saberes. Deixa-te ficar mesmo sem saber. Deixa cair a noite e os lençóis sobre a pele fria. Deixa cair o desejo de olhos fechados e abraços apertados. Deixa sem pensar. Podes só cá estar uma vez, posso partir amanhã. Desfaz aquela maquilhagem sem falhas, aquele batom sem desvios, aquele vestido certo e aquele cabelo. Deixa de ser assim. Deixa que caia a noite e ainda lá estejas. Eu. Tu. Deixa que possa chegar à cozinha primeiro que tu. Beber os teus iogurtes. Chatear-te. Fazer-te cócegas. Deixa. Deixa que possa sorrir-te por cima do ombro enquanto de costas, me vês vestir. Deixa que possa subtilmente odiar. Odiavelmente querer. Deixa que possa saber que posso. Deixa que possa ficar e ser. Deixa. E quando deixares, deixa um espaço. Um espaço para que não fique sozinha. Um espaço para mais que um. Não necessariamente dois. Um espaço onde juntos, caibam dois, ou um. Mas promete, que quando deixares, deixas. Deixas mesmo.