« pode estar já ao virar da esquina (...). naquela noite. no cimo da rua, no fim da estrada. no metro. na paragem do eléctrico. naquele dia. no andar de baixo, no andar de cima. pode estar num bar, numa disco, num festival, num concerto, no teatro. pode estar na fila do supermercado, na fila do trânsito, na fila para o cinema. pode estar no sÃtio onde trabalhamos (...), pode estar no sÃtio para onde ainda vamos trabalhar. ou no sÃtio onde já trabalhamos. sim, pode muito bem estar à nossa frente, debaixo do nosso nariz. na mesa ao lado do restaurante, na mesa em frente do café. pode estar com os nossos amigos ou com os amigos dos nossos amigos. pode estar no mar onde acabamos de mergulhar, no avião que acabámos de perder. pode estar naquele dia. sim, ele pode estar em qualquer lado. porque ele não está. o amor acontece.»
Precisava mesmo era de me despir. Não de medos nem preconceitos, que cliché. Precisava mesmo de me despir de ti. Acho que me habituei à ideia de nunca te poder convidar para um cinema. de não podermos jantar ou de não te poder ligar quando quisesse. Essas coisas, aquele companheirismo sabes? Acho que me habituei a viver contigo e sem ti. A aparar-te golpes e falhas e a achar que era mesmo isso. Ao fim de cem actos repetidamente gritados à s paredes essa passa a ser a nossa noção de normalidade. 99% das vezes, não é. Tu não és assim, eu não sou assim, nós não vamos ser diferentes mas eu insisto no engano. Insisto. E insisto ao mesmo tempo que me convenço. E agora nem sequer sei o que é isso. Tu estás aà e eu aqui e há uns tempos isso era suficiente. Agora não é. Os espaços encolheram, os dias demoram. O vazio das tuas palavras gela-me as mãos e o desespero na tua procura ocasional enerva-me de tão pretensioso. eras capaz de me seguir ao minuto quando queres. fazer cobranças e julgar-te o que nunca quiseste ser. nessas alturas devia lembrar-me bem, de cada segundo como aquele. De cada momento como aquele em que a solidão, a descrença numa vida feliz em que tu não estivesses, me assolaram e me deixaram completamente petrificada. meia morta pr'ali. devia lembrar-me de como me deixaste sentir só, abandonada, injustiçada, traÃda. TraÃste-me, não me enganaste, mas traÃste-me, a mim, ao meu coração, a todo o meu ser que acreditou o suficiente em ti para lhe entregar a razão de bater, e agora estou aqui e tu estás aÃ. o grande problema: tu aÃ. eu aqui. e eu ingénua que sou, achei que sabia lidar com isso. e fiz asneira, once again, como tão bem sei fazer. adoeces-me. acho que ainda não o tinhas feito porque podia ver mais e melhor para além de ti, o problema foi quando por segundos te voltei a ver só a ti. e voltaram as idas diárias aos teus lugares, saber das tuas rotinas e das músicas que andam nos teus headphones. se andas feliz ou a bater com a cabeça nas paredes. quando há uns tempos isso finalmente me passava ao lado. tu estragas sempre tudo, já me habituei. até as minhas tentativas de escapar-(te). e agora estás aÃ. não sei se bem ou do avesso como de costume. com esse feitio fodido. e eu estou aqui, rodeada de silêncio e uma solidão tão grande como a merda da noite que se aproxima. espero que estejas bem e não mais te lembres. nem de mim nem de nós. é o que desejo profundamente para os dois, ainda que tu aÃ, e eu aqui.
E por dois minutos conseguiu saber que tudo o que queria era tudo assim tão simples mesmo que não durasse para sempre. Sem os dramas de um chão que desaba ao mÃnimo sopro, um coração que não espera e corrói à mais pequena ausência, uma alma que julga o abandono como um cliché de todas as histórias e dele morre de medo.
"O melhor do abraço é o charme de fazer com que a eternidade caiba em segundos. A mágica de possibilitar que duas pessoas visitem o céu no mesmo instante."
Ana Jácomo